Mas eu tenho visto
gente que é protuberantemente o contrário disso, e em quem percebo laivos de
atitudes deste gênero: “Eu peço a Deus, mas Ele, lá nas coisas d’Ele, a mim não
atende. Atende a todo mundo, mas não a mim. Ele comigo faz o contrário do que
eu queria que acontecesse.”
Não era esse,
absolutamente, o estado de espírito de Dona Lucilia. Esse estado de espírito de
um terceiro em relação a Deus, que cobra, invectiva, alega direitos, não está
naquela fotografia, em nada!
Mais ainda: no
fundo, essa paz que vemos no Quadrinho, sob o qual se poderia escrever a
frase: Ite vita est, é como quem diz: “Eu fiz a vontade d’Ele até o último
elemento, bebi todo o cálice de fel, até a última gota. Mas está bebido, e
agora chegou minha hora de ajudar os outros.”
Sem dúvida, uma das
coisas mais tocantes para mim naquela fotografia, em que mamãe tem cerca de 50 anos,
é essa resignação dela no meio da dor. Vê-se que ela não entende e há qualquer
coisa de uma pergunta ansiosa: “Como será, por que será?”, mas sem o menor
laivo de revolta, de inconformidade, nem nada. É como alguém que adora o
mistério do sofrimento que está tendo.
Isso partia de uma
ideia altíssima que mamãe tinha de Deus.
Aliás, uma coisa
curiosa: ela nos ensinou o Pai-Nosso de um modo um pouquinho diferente da
fórmula corrente. Não sei se no tempo dela se tinha introduzido, talvez no
hábito brasileiro ou pelo menos de Pirassununga, um acréscimo que era: “O pão
nosso de cada dia nos dai hoje, Senhor...” Este “Senhor” não está na oração
dominical. Durante algum tempo eu rezei o Pai-Nosso assim. Depois, por
conformidade com a Igreja, suprimi o “Senhor”. Mas a minha alma se regozijava
de poder dizer este “Senhor”. O “Senhor” calha ali com uma precisão, no ritmo
da oração, muito bem. Suprimi, porque a Igreja ensina de um modo diferente.
Quando mamãe rezava alto, conosco, nas Sextas-feiras Santas, não saía o
“Senhor”. Eu acho que ela, em certo momento, se deu conta também e suprimiu.
Mas era a ideia do
Dominus cheio de bondade, de misericórdia, de carinho, que estava no espírito
dela. Ela tinha muito isso, mas muito!