Não era fácil, porém, iludir tão ardoroso coração, todo feito de carinho materno. Uma secreta desconfiança lhe fazia sentir ser outro o verdadeiro destino de seu filho. E por mais que lhe assegurassem o contrário, ela não se convencia.
Dr. João Paulo, em carta escrita a Dr. Plinio no dia 20, relata o ocorrido em casa após a partida deste:
Lucilia, sempre desconfiada [de estar ocorrendo algo inusitado], instintivamente tornou-se ainda mais apreensiva do que estava (...); no domingo pediu ligação telefônica para o Rio, e não a obtendo, me fez pedi-la para segunda-feira.
No dia 17, segunda-feira, Dr. Plinio desembarcou no aeroporto de Barajas ,em Madri. Uma de suas primeiras providências foi enviar um telegrama à sua tia Zili, irmã de Dª Lucilia, informando-a de que fizera boa viagem. Não o mandou diretamente para sua casa, pois sua mãe, ao vê-lo chegar, logo se daria conta do acontecido, podendo sofrer um certo choque. Por isso, quis que a notícia lhe fosse dada por sua tia, e suavizada com o bálsamo da carta por ele deixada. Assim Dr. João Paulo, após narrar a chegada do telegrama, acrescenta:
[Nestor e] Zili vieram em casa e tudo ficou em pratos limpos. Muito choro, muita reza e tudo ficou regularizado satisfatoriamente, sobretudo após a leitura de uma, a primeira, das cartas a lhe serem entregues. A segunda carta, ela a receberá no dia 22 com as flores que pedirei a Zili que escolha, como você deixou pedido.
“Meu coração procura o de Plinio...”
Uma vez refeita do abalo dos primeiros momentos, Dª Lucilia logo tomou a pluma para escrever a primeira das muitas cartas que as enormes saudades a levariam a enviar ao filho querido. Para nossa alegria, foi providencialmente encontrada quase intacta a correspondência trocada entre ela e Dr. Plinio nesse período, permitindo-nos penetrar com discrição e respeito no suave e acolhedor recinto daquele coração materno.
De forma comovedora e com palavras cheias de unção, conta ela, na primeira missiva, como afinal seus pressentimentos não a haviam enganado.
Filho querido de meu coração!
Acabo de receber tua carta e telegrama. Louvado seja Deus, chegaste são e salvo. Não era em vão que eu dizia a teu pai, “meu coração procura o de Plinio e não o acha no Rio, e sim pelos ares!” Enfim, alegro-me de tudo o que Deus e a Virgem Santíssima fazem por ti, que és o melhor dos filhos, e que abençôo de todo o meu coração, de todas as forças de minh’alma. Muitos abraços, beijos e saudades, de tua velha “manguinha”.
Numa carta por ela escrita pouco mais tarde, sobressai a gratidão para com o filho, pelo fato de lhe ter ocultado o verdadeiro destino da viagem, poupando-lhe, desse modo, inúmeras aflições. Em linhas penetradas de doçura, reflexo de sua nobreza de alma, assim se exprime:
Plinio querido!
Com tanta cousa para escrever-te, e que me saía aos borbotões, ia me escapando de dizer-te, o que me afligiria muito, o quanto apreciei a delicadeza de tua mentira generosa, que não engoli totalmente, pois, desconfiada e aflita, repetia sempre, – qual, vocês não me enganam, meu filho está já em viagem,... meu coração não encontra o seu no Rio, e sim voando, nos ares! – Teu pai, e todos enfim, procuravam iludir-me a ponto de sossegar-me e pôr-me de novo a esperar-te, mas só por umas horas. – Como tudo o que fazes, foi muito bom assim, e tudo bem feito, e reconhecida agradeço-te.
Vê se tens bem cuidado com tua saúde. Nada de imprudências, e, recomendação para todos. Mais muitos beijos, bênçãos e abraços de tua mãe extremosa.
Lucilia.
Quando vão a Fátima? Reze por nós, especialmente por tua afilhada e sobrinha.
Afetuosas e filiais recomendações
Nesse dia, como relatara Dr. João Paulo, Dª Lucilia chorou muito e rezou ainda mais. Embora seu doce consolo fosse sobretudo o Sagrado Coração de Jesus, não pouco a deve ter confortado a leitura e releitura da carta deixada por seu filho:
Manguinha querida do coração,
À hora em que a senhora ler esta carta, já estarei nas Espanhas. Não preciso dizer- lhe com que saudades parti...... bem maiores, desconfio eu, do que aquelas com que a senhora ficou. (...)
Agora, meu amor, algumas recomendações:
1- HORÁRIO: aproveite este tempo para levar uma verdadeira vida de sanatório, almoçando e jantando cedo, DEITANDO-SE CEDO, tomando MUITA água Prata, etc. Será um período de repouso ao cabo do qual encontrarei meu pito de ferro mais forte do que nunca, se Deus quiser;
2- ORAÇÕES: razoáveis, pois que nada do que não é razoável pode agradar a Deus. Assim, conta, peso e medida até no rezar. Nada de orações até horas tantas. Reze muito, mas reze de dia;
3- Não economize automóvel, especialmente quando se tratar de ir ao Coração de Jesus. Vá lá com toda a frequência, e demore-se à vontade.
Creio, Anjo querido, que minha volta será na última semana de Junho, pois tenho conferências e compromissos aqui. Porém não posso dizer em que dia chegarei. Escrever-lhe-ei assiduamente. Não lhe dou endereço, pois não sei a que hotel vou. Nem sei exatamente que número de dias deverei ficar em cada país.
Não preciso dizer-lhe porque fui obrigado a mais este sacrifício: estar fora no dia 22. É a necessidade de voltar a tempo. Não lhe poderei telefonar no dia 22, mas certamente telegrafarei.
Querida do coração, confie muito em Nossa Senhora, que irei venerar nos seus principais Santuários: Fátima, Lourdes, e a Rue du Bac, onde Ela apareceu a Santa Catarina Labouré, sob a invocação de Nossa Senhora das Graças, ensinando a devoção da Medalha Milagrosa.
Juízo, amor. Penso que não é necessário recomendar que se lembre de vez em quando de mim. Com milhões de abraços e beijos, e todo o afeto e respeito deste mundo, pede sua bênção o filho, o taludíssimo e esporudíssimo “pimbinche”.
Plinio
Uma feijoada de 1ª classe para a volta, com pinga, feijão preto e farinha torrada. Veja as cortinas do hall e sala de jantar e as molas de minha cama. Tome muita água Prata e empanturre papai de coco e cocadas.
P.
Três dias depois da partida de Dr. Plinio — para Dª Lucilia, três longos dias — sem aguardar mais notícias dele e movida pelas saudades que já lhe faziam sofrer o coração, ela retoma a pena. Ainda uma vez agradece a seu filho todos os cuidados em lhe ocultar a travessia oceânica. De nenhum modo susceptibilizada por isto, nem sequer sentindo-se ferida em seu amor próprio ao saberse vítima de um inocente jogo, Dª Lucilia não cessa de manifestar seu carinho e exclusivo desejo de que ele se beneficiasse da viagem. Além disso, não deixa de se preocupar, de aconselhar e rezar.
São Paulo – 19-4-1950.
Filho querido de meu coração! Com o coração transbordante de saudades, venho dizer-te a enorme falta que me fazes, pois parece-me ver-te entrar a todas as horas, e ver-te em todos os lugares, e o meu espirito voa – sem avião– em busca do teu! Contudo, filho querido, procuro ser calma, e agradecer a Deus e à Virgem Santíssima a graça de poder ver-te realizar este sonho tão necessário e útil à tua vida, e a teus futuros trabalhos, e também a felicidade de poderes ver, talvez ouvir e falar mesmo ao nosso Papa! – E, tudo isso, em companhia de tão bons companheiros!
Agradeço-te imenso, tudo o que, como excelente filho, fizeste para evitar-me a angústia da travessia. Mandei acender uma vela a Nª Srª das Graças, e fiz muitas orações pela tua feliz chegada.
Conta-me tudo o que têm feito e o que de bonito por aí já viram: Granada, Alhambra... o túmulo de Dom Felipe,.... históricos palácios, conventos... e o que mais? – Já comeram muitos figos de capa-rota e cerejas? – Penso ser agora a época. – Quando seguem para Paris para respirarem o já célebre “doux air de France”¹?
Muito cansada e com sono, termino esta, enviando-te todas as minhas bênçãos, e te pedindo para que veles bem pela tua preciosa saúde. Mais uma vez, que Deus te abençoe, te faça muito feliz e envio-te saudosíssima, muitos beijos e abraços.
— De tua mamãe extremosa,
Lucilia
À medida que o tempo avançava, crescia o amor recíproco entre mãe e filho. Erraria quem julgasse ser tal benquerença exclusivamente natural. Dotados ambos pela Providência — cada um a seu modo — de grande senso psicológico, discerniam, um no outro, os respectivos progressos nas vias do bem e, por essa razão, sua benquerença recíproca crescia sempre mais. Tratava-se de um amor sobrenatural em sua essência, como podemos notar nas missivas reproduzidas acima, e ao longo de toda a correspondência trocada entre eles.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
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