O
convívio com Dona Lucilia oferecia a Dr. Plinio a oportunidade de se
aprofundar no conhecimento da psicologia humana, bem como na
percepção das virtudes cristãs vividas com compenetração, porém
com facilidade, como se fossem uma segunda natureza. Para ele, sua
mãe foi um modelo de amor ao Coração de Jesus, à Igreja e ao
Papa.
Como
a maioria dos filhos, desde muito pequeno senti o carinho e o afeto
de mamãe para comigo, assim como percebia, a la criança, a elevação
de alma com que ela os dispensava à minha irmã e a mim. Também
ainda menino, através dos diversos movimentos de encanto que a
pessoa dela despertava naturalmente no meu coração filial, aprendi
as primeiras noções de psicologia humana, compreendendo como as
qualidades morais se entrelaçavam no espírito dela, constituindo o
todo harmonioso e belo de uma alma virtuosa.
Lição
permanente de lealdade a Deus
Não
hesito em dizer, pois, que a partir dos meus remotos tempos de
menino, e estendendo-se ao longo da vida de Dona Lucilia esta foi
para mim uma lição permanente de lealdade em relação a Deus e aos
seus Mandamentos.
Nesse
sentido, já tive oportunidade de salientar o modo como mamãe
considerava o dever de frente, com seriedade e ânimo resoluto; como
demonstrava uma fortaleza invulgar diante do sacrifício que se lhe
apresentava no caminho, enfrentando-o sem nada perder de sua suavidade
e das outras virtudes que a caracterizavam. Daí ela ter sido, de
certo modo, a matriz das boas disposições de alma que eu porventura
cultivaria em mim mesmo. Vivendo uma existência comum de
dona-de-casa, mamãe foi de alguma maneira a minha “memória”,
onde eu encontrava tudo aquilo a partir do qual talhei minha
personalidade de católico, apostólico, romano. E eu apreciava esta
joia inicial, na sua beleza primeva, incrustada no espírito dela.
De
fato, não fosse o reluzimento contínuo desses fundamentos de
virtude nela enraigados, eu me teria esquecido daqueles movimentos
primeiros de admiração das qualidades dela, que tanto contribuíram
para minha própria formação. E esse rebrilhar durou até a sua
extrema ancianidade.
Suprema
firmeza
Um
episódio característico. Algum tempo antes de mamãe morrer,
percebi que ela rasgava papéis e se desfazia de coisas que tinha
guardado a vida inteira. Ao fazê-lo, notava-se nela uma certa
tristeza e desilusão. Porém, eu tinha tomado como regra não
desgostá-la em nada, e o que ela quisesse, ela faria. Mesmo sabendo
tratarem-se de escritos meus para ela, não fiz oposição às
destruições.
Pouco
tempo depois percebi que ela pressentia a sua morte, e decidira
destruir, ela mesma, o que receava não seria conservado pelos
outros. Quer dizer, antes das suas exéquias, mamãe preparou os
funerais das recordações dela...
Permitam-me
salientar a firmeza de alma e a lealdade de vistas que tal atitude
representa. Ela terá dito a si mesma: “Encontro-me nessa situação,
e a conduta razoável a ser adotada, de frente, é essa”, e
caminhou para a morte, acompanhada da idéia de colocar em ordem seus
papéis e seus pertences, a fim de não dar trabalho aos outros! Tudo
isso, quero crer, está de acordo com o equilíbrio de virtudes numa
alma católica.
Mais
ela mesma quando rezava
Aliás,
cumpre dizê-lo, por mais que eu a analisasse em todas as posições
e atitudes, nunca a achava ser tão ela mesma do que quando recitava
suas orações. Sobretudo as que ela fazia junto às imagens do
Sagrado Coração de Jesus, fosse a do oratório que tinha em seu
quarto, fosse a do salão de nossa residência.
Nessas
horas, tocava-me a impressão de que as qualidades de mamãe
cresciam, e que se estabelecia — não me refiro a visões,
revelações nem a quaisquer outras manifestações de caráter
extraordinário — uma espécie de vínculo entre o Sagrado Coração
de Jesus e ela, uma forma de relacionamento por onde se percebia que
Nosso Senhor comunicava algo de sua bondade infinita à alma dela.
Como fruto daquela entranhada devoção de Dona Lucilia a Ele, algo
das inefáveis qualidades do Coração Sagrado de Jesus era-lhe
transmitido, cumulavam-na, e determinava uma particular consonância
entre ela e os princípios da fé católica.
Sob
as vistas de um “inquisidor” afetuoso e inflexível
Nesse
sentido, devo acrescentar outra consideração. Apesar de toda a
minha benquerença para com ela, à medida que ficava mais velho e
pelo natural desenvolvimento do meu espírito, compreendia
perfeitamente que mamãe podia significar uma alta coisa na minha
vida, porém não era a norma que ditava o meu existir. O que pautava
minha existência era a Santa Igreja Católica Apostólica Romana,
como passei a conhecê-la e a amá-la, à luz dos ensinamentos dos
padres jesuítas em cujo colégio eu estudava. Estes me fizeram
compreender a importância do papado, a devoção ao Vigário de
Cristo, a Nossa Senhora, à Sagrada Eucaristia, etc., bem como
chamavam nossa atenção para as tramas e os ataques que os
adversários da Igreja urdiam contra ela.
Eu
via, portanto, dois valores distintos. Primeiro, a Igreja, fonte da
verdade; segundo, a Revolução, cuja ignomínia essencial era seu
ódio mortal à Igreja. Por outro lado, eu considerava Dona Lucilia.
E fiz essa comparação: “Aqui está minha mãe; aqui, a Santa
Igreja como a conheço hoje, como me é apresentada pelos meus
professores jesuítas. Em última análise, quem vale mais: a Igreja
ou mamãe?”
A
resposta veio incontinenti ao meu espírito: “As coisas não se
dissociam. Tudo quanto há de bom em mamãe, ela recebeu da Igreja.
Esta é o supremo bem, e mamãe só será realmente boa, se em tudo
estiver de acordo com ela.
“Agora
as qualidades de Dona Lucilia estão sujeitas ao crivo da minha
análise como católico, e devo me perguntar se tudo nela é conforme
à Igreja. Pois se algo não o for, eu prefiro a Igreja, fundada por
Deus, a ela, uma criatura humana falível como qualquer outra.
Portanto, cuidado.”
E,
por assim dizer, reexaminei-a, ponto por ponto. Fazia-lhe perguntas
de cunho doutrinário, para ver bem como ela pensava. Fui seu
“inquisidor”, afetuoso, respeitoso, meticuloso, inflexível. Ela
passou no exame com nota 100...
Lucilia Correa de Oliveira - Extraído
de conferências em 24/4/1982 e 12/8/1988
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