Em seus últimos anos de vida, Dª Lucilia faria brilhar, ainda mais, sua afabilidade e seu modo de ser respeitoso, em contraste com a vulgaridade crescente do mundo moderno. Embora sua existência tenha transcorrido em grande parte no século XX, era ela uma característica senhora do século XIX, tendo-o, por assim dizer, prolongado em torno de si, até o fim de seus dias. Tão séria e grave quanto afável, praticava uma delicadeza em nada parecida com a amabilidade comercial contemporânea. Muito pelo contrário, tinha perfeita noção de sua própria posição e tratava cada qual segundo o modo de gentileza que a este correspondia.
Por outro lado, era ela digna de veneração por uma certa grandeza, estável, segura e invulnerável às mudanças dos tempos, própria a realçar o caráter augusto de sua alma, que transparecia de modo especial nas circunstâncias mais difíceis.
Resignação ante a morte
Em meados de 1961, Dª Lucilia viu os deveres de apostolado levarem seu filho para um pouco mais longe... O incansável batalhador católico já não era solicitado apenas por seus discípulos de diversas cidades de nosso País, mas também de outras nações, posto que sua obra se irradiava pelos cinco continentes. Dessa feita, fora ele convidado a assistir a um congresso da revista Verbo, em Buenos Aires.
Para encerrar a promissora estadia na capital portenha, Dr. Plinio foi jantar com seus amigos mais próximos — argentinos e brasileiros — num restaurante francês, onde celebraram, em ameno convívio, os resultados obtidos. Mal podia ele, entretido nessa desanuviada comemoração, suspeitar que, em São Paulo, Dª Lucilia acabava de sofrer um súbito ataque cardíaco e estava às portas da morte.
De volta ao hotel, após o jantar, Dr. Plinio recebeu do recepcionista um telegrama. Abriu-o imediatamente. O horizonte que até há pouco lhe descortinava alvissareiras promessas ficou repentinamente toldado, pois tratava-se de uma mensagem, enviada por Dª Rosée, com esta terrível notícia: “Mamãe mal à morte, ataque de coração violentíssimo! Telefones interrompidos. Venha logo para alcançá-la ainda com vida.”
Bem podemos conceber a aflição que estas curtas frases causaram a tão dedicado filho. Seu desejo, naquele instante, foi o de vencer, de um só passo, a longa distância que o separava de sua mãe queridíssima, que talvez já estivesse transpondo os umbrais da eternidade. As tentativas de obter uma ligação telefônica para São Paulo revelaram-se infrutíferas, dificuldade que aumentou o sofrimento dele.
Permaneceu então, durante toda aquela noite, que passaria insone, no salão do City Hotel, onde estava hospedado. Aguardaria assim os primeiros lampejos da aurora rezando e — por que não dizê-lo? — chorando copiosamente, até o momento em que o clarear do dia lhe indicasse ter chegado a hora de ir para o aeroporto. Tendo se dirigido para lá, foi informado de que só haveria vôo de Buenos Aires a São Paulo muito mais tarde. Não querendo esperar mais, resolveu alugar um pequeno avião particular que partiu às 5h, levando-o até Porto Alegre, de onde embarcou em avião de carreira, ato contínuo, para a capital paulista.
Dr Plinio durante sua viagem à Argentina 1956 |
Assim, ao descer do avião, procurando avistar algum rosto conhecido entre as pessoas que aguardavam os passageiros, distinguiu um de seus mais antigos companheiros de luta, que logo lhe fez um grande aceno tranqüilizador.
Após os cumprimentos de boas-vindas, a primeira pergunta de Dr. Plinio foi obviamente sobre o estado de saúde de Dª Lucilia, recebendo do amigo esta consoladora resposta:
— Graças a Deus, ela está fora de perigo. Teve um fortíssimo ataque do coração, mas recuperou-se bem e já está sentada na cama, conversando normalmente. Os próprios médicos que a atenderam estão pasmos com a reação dela. Entretanto, é bom o senhor estar prevenido para uma estranha coincidência: na hora em que chegar à sua casa, estará partindo de uma residência vizinha um enterro. Portanto, não se assuste. Estávamos muito preocupados, pois o senhor poderia pensar que se tratasse do enterro de Dª Lucilia...
Transpondo afinal as portas do “1º Andar”, o último obstáculo que o separava de sua estremecida mãe, Dr. Plinio encontrou-a reclinada no leito, conversando calmamente com Dª Rosée e Dª Maria Alice. Aquela venerável fisionomia de anciã, emoldurada por cabelos prateados, externava tanta paz de alma, que absolutamente não se diria haver estado, poucas horas antes, a um passo da morte.
Logo após os primeiros cumprimentos, ela lhe perguntou como estava de saúde.
— Minha saúde está ótima! Mas o que eu quero saber é como está a da senhora!
Mesmo sentindo muito a falta de seu “filhão querido”, cuja presença naquele angustioso transe lhe seria de grande consolo, suportou mais essa provação com extrema serenidade.
A chegada de Dr. Plinio representou para ela novo alento. Embora ele não pudesse depositar em sua fronte o costumeiro ósculo, por estar fortemente resfriado, suas manifestações de carinho e afeto reconfortaram-na e incutiram ânimo naquele coração que por seu filho tanto pulsava!
Rápida foi a melhora de Dª Lucilia. Já no dia seguinte, seu médico, o Dr. Brickman, deu-lhe licença para se levantar e andar pela casa. Cerca de dez dias depois retornou ele para um controle de rotina. Tendo-a examinado com o estetoscópio, voltou-se surpreso para Dr. Plinio e exclamou:
— Mas, não é possível!
E como que não acreditando em seus próprios ouvidos, auscultou-a de novo, cuidadosamente, e disse:
— Olhe, o coração dela está tão bom que eu diria ser o de outra pessoa...
A pronta recuperação de Dª Lucilia era o resultado de sua serena e católica resignação diante da morte. Ao longo de sua extensa caminhada por esta terra de exílio, foi se preparando, calma e resolutamente, com inteira confiança no Sagrado Coração de Jesus e no Imaculado Coração de Maria, para transpor os umbrais da eternidade. Vendo-se na iminência de comparecer perante o tribunal divino, conservou a paz que nunca a abandonou. Será talvez essa qualidade de alma uma das causas de sua longevidade. Viveria ela tranquilamente, sem maiores preocupações de saúde, mais sete anos.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
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