As despedidas no elevador
A fim de, no entardecer da existência de Dª Lucilia, amenizar-lhe em algo a paciente solidão, seu filho todos os dias a entretinha com uns 40 minutos de conversa após o jantar. Ao perspicaz e diligente olhar de Dr. Plinio não era difícil discernir as provações que afligiam a alma de sua mãe, cujo involuntário isolamento era, por certo, muito penoso. Para animá-la, costumava lhe repetir, num tom repassado de carinho:
— Mãezinha! força, energia, ênfase, resolução!
A tais palavras, Dª Lucilia respondia com um ligeiro sorriso de contentamento, sem nada dizer. A certa altura dessa prosinha, os inadiáveis deveres de apostolado de Dr. Plinio vinham pôr termo ao abençoado convívio. Embora com o coração partido por ter de deixar sua mãe apenas em companhia da boa Olga (e mais tarde na da Mirene, que a esta sucedeu), ele se levantava e, depois de se despedir dela com muito afeto, dirigia-se para o elevador. Não raras vezes Dª Lucilia o seguia até lá, querendo desfrutar até o último instante a doce companhia de seu filho. Ocasionalmente uma tocante cena podia ser observada no momento em que Dr. Plinio abria a porta do elevador. Com sua voz meiga e afável, esperançosa de ainda retê-lo, Dª Lucilia lhe dizia sorridente:
— Filhão, você não tem pena de deixar sua mãe tão sozinha?
Que esforço Dr. Plinio devia fazer sobre si mesmo, para resistir a tão suave apelo! Contudo, estavam à sua espera para assistir às reuniões feitas por ele todas as noites, aqueles que a Providência lhe destinara como seguidores na Contra-Revolução. Aliás, estes talvez ignorassem que as graças ali recebidas custavam o sacrifício da penosa solidão de Dª Lucilia, ainda mais penosa depois da morte de Dr. João Paulo.
Como explicar a Dª Lucilia tudo isso? Afinal, premido pelo dever, Dr. Plinio osculava a fronte de sua mãe e respondia:
— Meu bem, lamento muito, mas agora é minha obrigação ir ter com os meus companheiros de apostolado. Depois de a oscular uma vez mais, entrava no elevador e partia.
Em outras ocasiões essas despedidas davam lugar a uma encantadora manifestação de solicitude materna. Dª Lucilia procurava advertir seu filho — homem de mais de cinqüenta anos — como o fazia nos idos tempos em que ele ainda era jovem...
Segundo os antigos padrões, o ascensor subia e descia num ritmo lento, demorando a atingir o andar a que fora chamado. Ora, esta lentidão contrariava o resoluto modo de ser de Dr. Plinio — sempre disposto a agir calma mas prontamente — em especial nos momentos em que urgia atender a seus compromissos. Decidido a ganhar tempo, ele lhe dizia:
— Mãezinha, vou pela escada, pois estou com muita pressa!
E sem mais demora descia, enquanto ouvia ecoar o suave mas peremptório timbre de voz materno:
— Filhão, cuidado! Não corra, senão você cai! Era como se uma vigilante e carinhosa mão procurasse diminuir-lhe a cadência dos passos.
A possibilidade de ficar isolada
Uma das maiores provações de Dª Lucilia, nessa avançada etapa de sua vida, foi o súbito agravamento de suas condições auditivas, ao mesmo tempo em que um aumento de catarata lhe diminuía um tanto a visão.
A perspectiva futura era confrangedora, pois, a progredirem mais essas deficiências, Dª Lucilia perderia quase inteiramente a possibilidade de se comunicar com o mundo exterior. Portanto, de ter com seu filho aquele elevado convívio tão alentador para ela. Constituía-lhe igualmente não pequeno sofrimento, dado seu modo de ser tão afeito a se interessar por seus semelhantes, o não poder lhes prodigalizar caridoso auxílio.
Dª Lucilia e sua irmã Yayá |
Se o Sagrado Coração de Jesus, nos seus insondáveis desígnios, permitia esse sofrimento para quem tão fielmente O adorava, concedia-lhe, de outro lado, em compensação, seu misericordioso amparo.
Assim, pouco tempo depois de se agravar a dificuldade de audição de Dª Lucilia, Dr. Plinio, ao ler um jornal, viu o anúncio de um aparelho que poderia suprir essa deficiência. E, como bom filho, não hesitou um instante em adquiri-lo, embora fosse elevado seu custo. Acertou com o vendedor uma ida deste ao “1º Andar” — numa hora que coincidisse com o término do almoço — a fim de proporcionar uma surpresa a Dª Lucilia. De fato o homem apareceu no momento combinado. Feito o teste, Dr. Plinio notou logo pela fisionomia dela a real eficácia do tal aparelho.
Ainda hoje é motivo de consolação para Dr. Plinio lembrar-se do contentamento de sua mãe, quando ela percebeu que poderia conversar normalmente. E, sobretudo, tornar a ouvir com nitidez o timbre da voz de seu querido filho ...
“Que belo olhar”
Foi ainda na tranqüilidade de sua alma que Dª Lucilia enfrentou a crescente dificuldade de visão. Quando o incômodo aumentou, seu filho a levou a um bom oculista. Tendo-a examinado, o médico disse baixinho a Dr. Plinio:
— Ela está com catarata muito adiantada nos dois olhos — dando a entender que poderia operá-la.
Após rápida e judiciosa reflexão, Dr. Plinio optou por não submeter sua mãe àquela cirurgia, que poderia impressioná-la muito e infligir-lhe um sofrimento desnecessário, estando ela já tão idosa. Algum tempo depois, cessou o progresso da enfermidade, permitindo a Dª Lucilia conservar, até o fim de seus dias, suficiente clareza de visão para levar uma vida normal, em meio às condições de sua veneranda idade. Esses consoladores auxílios da Providência muito contribuíram para atenuar aquela sombra de tristeza, o que bem podemos notar em fotografias posteriores.
Curiosa foi a reação de um oculista, em outra consulta, ao assestar os aparelhos a fim de examinar os olhos de Dª Lucilia. O médico, que além de exímio profissional tinha alma de artista, antes de proceder ao exame não conteve uma exclamação:
— Que belo olhar!
Foi para ele inesquecível o privilégio de contemplar aqueles olhos castanho-escuros. De fato, nestes se encontravam serenidade, afeto, veracidade, em síntese, uma garantia de proteção própria a tocar profundamente as almas que sabiam admirá-los.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
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