quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Reencontro transbordante de afeto

Dona Lucilia e Dr. Plinio na década de 50
Uma viagem à Europa, para Da Lucilia, devia ter o carácter de peregrinação, num sentido lato, pois as maravilhas lá existentes são frutos da Civilização Cristã, e precisam ser admiradas com espírito religioso e, quase diríamos, meditadas. Desse modo, apesar de seu filho ser já homem feito, ela lhe recomenda correr menos e até visitar menor número de locais históricos, a fim de aproveitá-los melhor. Daí pedir a Deus em suas orações que a permanência de Dr. Plinio na Europa se prolongasse o mais possível, ainda quando as saudades levassem-na a implorar seu pronto regresso.
Em geral, o tempo age como elemento deteriorante das saudades, pois a recordação viva do bem que se perdeu vai sendo coberta pelo esquecimento e, por fim, nada mais resta a não ser uma ténue reminiscência. Tal não acontecia com Dª Lucilia. Sua grande dedicação e sobrenatural afeto por seu filho lhe fazia sentir mais saudades, à medida que os dias, por sua vez, pareciam transcorrer cada vez mais vagarosamente...

A viagem de Dr. Plinio à Europa, em 1950, caminhava para seu termo. Dirigira-se ele para a Cidade Eterna, onde o aguardava o mais importante de seus compromissos nessa passagem pelo Velho Continente.
Audiência com o Santo Padre
Conhecedora da profunda devoção de seu filho ao Papado, Dª Lucilia rezara confiantemente ao Sagrado Coração de Jesus para que ele obtivesse uma audiência com o Sumo Pontífice, no que foi atendida. Ao ler a extensa carta de Dr. Plinio sobre esse encontro, seu coração maternal exultou, e à medida que corria os olhos pela narração, ela o acompanhava em espírito, meditando nas consequências do fato. Em ação de graças, mandou celebrar uma Santa Missa, além de elevar redobradas preces a Nosso Senhor, a fim de Lhe exprimir seu reconhecimento pelo favor alcançado. Eis a missiva de Dr. Plinio:
 Roma, 13-VI
Mãezinha queridíssima do coração
Querido Papai
 Escrevo-lhes a 1,30 da noite, depois de ter tomado apontamentos (jornais falados, diríamos na gíria do 6º andar) desde 11 horas da noite até agora. Estou com todas as minhas orações para fazer. Tenho tido um mundo de contatos, tipo marquês Pallavicino, Príncipe Lancelotti, Príncipe Ruffo, Príncipe Chigi, Embaixador da Espanha junto ao Vaticano, etc. Mas o mais formidável foi o Papa. É favor entregar esta carta para o pessoal do 6º andar ver logo. Estávamos [um prelado amigo] e eu preparando o longo relatório para o Papa, e íamos telegrafar para aí pedindo orações, quando veio — com uma rapidez inusitada — a notícia de que o Papa nos receberia em audiência especial no dia seguinte.
Corre-corre tremendo para aprontar o relatório, que ficou concluído à ultimíssima hora, datilografado com o auxílio do Adolphinho. Fomos [o prelado], eu, e um Padre cubano, ex-colega [do primeiro] que servia de secretário a este. Atravessamos salões e salões, [o prelado] de grande gala, eu de roupa azul clara (....), o cubano com uma capa soleníssima. Na passagem, os Suíços e os “gendarmes” pontifícios apresentavam armas. Os salões cheios de diplomatas e de peregrinos. Afinal chegamos ao salão do Papa.
A audiência fora pedida em nome [do prelado] e meu. [Ele] entrou primeiro, e teve uma conversa de uns 10 minutos, ou pouco menos. Em seguida entrei eu e o Cubano. O Papa foi muito amável comigo. Pedi bênção especial para a Senhora e Papai, e tinha intenção de pedir para a família toda, pelo que traduzindo mal disse “mes parents”, o que quer dizer propriamente só os pais. Pedi também bênção especial para meus companheiros de trabalho. O Papa concedeu tudo muito afetuosamente, e benzeu os objetos de piedade que lhe levei. [O prelado amigo] disse ao Papa que eu tenho uma mãe que me quer um bem louco, e pediu mais uma bênção para a Sra. Como ousa [ele] mentir ao Papa por esta forma? (...)
Agora quanto ao regresso:
1 - Não sei como podem ter achado que eu estaria de volta dia 10. Só poderei sair daqui por volta de 15 ou 16. Quero visitar Veneza, depois ir à Suíça, onde tenho gente com quem falar. Da Suíça, França, onde pretendo tomar avião para Lourdes, e se possível interrupção em Portugal para tentar falar com a Irmã Lúcia de Fátima.
2 - Assim, correndo muito, estarei de volta em fins de junho, como disse no telegrama. “Cela vá de soi” que estarei presente para o casamento de Maria Alice.
3 - Quando eu marcar o regresso, telegrafarei. (...)
4 - Terei que ficar no Rio 24 horas. Assim, chegarei a São Paulo no dia seguinte ao de minha chegada ao Rio.
5- Ficarei no Glória. Quero que uma hora depois de o avião ter chegado Mamãe me telefone.
6 - Logo depois de ter falado com Mamãe e Papai, falarei também com Rosée e Maria Alice, se estas puderem estar perto. (...)
7 - Logo depois de ter falado com Papai e Mamãe, (...) quero falar com o pessoal do 6º ao menos os que estiverem disponíveis a esta hora.
8 - Daqui por diante, escrever-me ao Regina Hotel, Paris. Para Papai um longo e afetuoso abraço. Para Mamãe, milhões e milhões de beijos. A ambos peço a bênção, Plinio.
................
Meus carissimos do 6º. andar Como vêem, esta carta é tanto para vocês quanto para Papai e Mamãe. Acrescento que por deferência especial de Mons. Montini¹, assisti ontem a canonização de São Vicente Strambi na tribuna dos diplomatas, ao lado do embaixador e secretário do embaixador do Egipto! Sei que gostariam de mais notícias sobre a audiência. Esperem jornal falado.
Mil e mil abraços,
Plinio
Saudades e ansiosa espera
Esses pequenos e grandes fatos alimentaram, após a volta de Dr. Plinio, as abençoadas “prosinhas” noturnas de Dª Lucilia com ele. A cerimônia de canonização de São Vicente Strambi, por exemplo, terá sido, sem dúvida, tema de algumas delas.
Com efeito, Dª Lucilia, que tanto amava o protocolo e o cerimonial, ter-se-á encantado ao ouvir, dos lábios de seu próprio filho, a descrição de uma das mais belas pompas da Cristandade.
Quanto e com que brilho marcaram a História as gloriosas vitórias dos guerreiros romanos! Entretanto, as celebrações destas nada foram em comparação às preparadas pela Santa Igreja para elevar à honra dos altares e louvar seus heróis. Estes últimos terão seus feitos lembrados até o fim do mundo, em todos os recantos da Terra.
Aspecto da cerimônia de canonização de São Vicente Strambi,
Para o augusto ato da canonização de São Vicente Strambi, compareceram as mais insignes autoridades da Igreja presentes em Roma, todo o corpo diplomático acreditado no Vaticano, além de grande número de personalidades eminentes da nobreza romana, do mundo da cultura e da política. Por assim dizer, estava representado simbolicamente, na Basílica de São Pedro, o que de mais seleto há nas sociedades espiritual e temporal. Tudo para glorificar a heroicidade das virtudes de uma pessoa que talvez tenha levado uma vida obscura e apagada, entre as paredes de um mosteiro.
Esses e outros pensamentos terão passado pela mente de Dª Lucilia, enquanto aguardava a volta de Dr. Plinio para se deliciar com os pormenores do evento.
Embora não tivesse a certeza de que uma carta ainda o fosse encontrar em Paris — para onde ele seguiria de Roma —, e apesar de já estar se ocupando muito com os preparativos para o casamento de sua neta, não quis deixar de enviar-lhe um comentário a propósito da audiência dele com o Sumo Pontífice:
São Paulo 21-VI-950
Filho querido de meu coração!
Segue mais esta, “pour un en cas”², como dizem os franceses teus amigos, pois asseguram-me os do sexto andar e teu pai, que ao chegar esta a Paris, já estarás de volta, ou melhor, em casa. Será possível?
Estou escrevendo com uma pena de bico torcido, e muito tarde, e já cansada, ainda vou começar as orações, por quem está tão longe! Não sei dizer-te quanto alegrou-me tua visita ao Papa! Pedi tanto a Deus para que te desse esta graça, pelo que vou mandar dizer uma missa em ação de graças, por isso, e pelo bom resultado de tua viagem.
Até quando, querido? As saudades crescem, e são tantas, tantas,.... agora, na hora do nosso rosário, andando no salão!... Venha logo!
Bênçãos, beijos e abraços de tua mãe extremosa,
Lucilia
Reze por tua sobrinha e por nós, em Lourdes e Fátima!

De fato Dr. Plinio rezaria em Fátima, no local onde Nossa Senhora aparecera aos três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. Da primitiva azinheira, do cimo da qual a Santíssima Virgem lhes falara, nada mais restava, pois a devoção do povo a fizera desaparecer em pouco tempo, levando cada um seu pedacinho de lembrança... Apenas uma singela capelinha, que a Mãe do Céu mandara construir, recordava o ponto exato das aparições na Cova da Iria.
“Filhão, graças a Deus você é o mesmo!”
Às dez horas da manhã do dia 29 de junho, Dr. Plinio embarcou em Paris com destino ao Brasil. Em suas cartas não definira a data de seu regresso, com o objetivo de poupar a Dª Lucilia “a angústia da travessia”. No entanto, logo ao chegar ao Rio, pediu que fosse avisada, a fim de com ela poder falar pelo telefone. Após dois longos meses de ausência, contados dia por dia, minuto a minuto, pôde ela ter uma longa prosinha com seu “queridão”.
Na manhã seguinte, com o intuito de deixar tudo pronto para receber seu filho, Dª Lucilia não seguiu a recomendação médica de repousar até mais tarde. Mandou preparar um farto lanche a ser servido quando Dr. Plinio chegasse, pois certamente viria cansado da viagem e precisaria recompor as forças.
Uma vez tudo pronto, foi para o hall do apartamento e sentou-se à espera dele. Imenso foi o júbilo que lhe inundou a alma ao vê-lo assomar à porta. Abraços, beijos e bênçãos foram as primeiras manifestações de gáudio. Dona Lucilia, sempre idêntica a si própria, não poderia deixar de aliar, aos extremos de alegria, uma infatigável vigilância. Após os afetuosíssimos cumprimentos, afastou-se um pouco de seu filho e o fitou atentamente, com seu tranqüilo, sereno e penetrante olhar. Dr. Plinio não entendeu logo qual a intenção de sua mãe, mas, na expectativa, nada lhe disse. Ao cabo de alguns instantes de observação, concluiu ela, contente:
— Filhão, graças a Deus você é sempre o mesmo!
Em seguida, levou todos à sala de jantar, onde Dr. Plinio contou as primeiras impressões de viagem, enquanto tomava o saboroso lanche.
Essa tocante atitude de Dª Lucilia revela como a virtuosa preocupação pela perseverança de seu filho não só não esmorecia com o passar dos anos, mas crescia tanto quanto a estima que lhe devotava. Apesar de conhecê-lo bastante bem e ter plena certeza de ser ele “o melhor dos filhos”, não se fazia ilusão alguma acerca da natureza humana. Ela jamais faria o seguinte raciocínio: “Plinio é muito bom filho, católico exemplar e, portanto, na Europa não corre risco algum! Posso ficar inteiramente tranquila”. Seu modo de ver a realidade era bem diverso, e ela deve ter pensado o contrário: “É bem verdade que ele é um bom filho, mas, como todo homem, pode cair. A Europa é um continente de sedução e de prazeres. Ele vai com razoável quantia de dinheiro para gastar, levará uma vida bem diferente da que tem no Brasil. Irá a grandes restaurantes, estará em hotéis excelentes, de vida social intensa, frequentará a sociedade. O que passará por seus olhos e por sua imaginação durante a viagem? Essa velha Europa, eu e ele a admiramos tanto, mas... devolver-me-á ela meu filho tal qual ele é, ou com o espírito desfavoravelmente marcado?”
Como vimos, essas apreensões, acumuladas nos dois meses de ausência, foram logo dissipadas após os primeiros instantes de análise, feita, aliás, muito mais com o coração do que com a vista.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

1) Mons. João Batista Montini, futuro Papa Paulo VI, na época Substituto da Secretaria de Estado de S. S. Pio XII.
2) “Por via das dúvidas”.
 

sábado, 13 de outubro de 2012

Dias marcados pelas saudades


Dona Lucilia nofim da década de 1940;
ao fundo, um dos salões de sua casa
Tendo partido para a Europa às vésperas do aniversário de sua querida mãe, Dr. Plinio via aproximar-se o dia 22 de abril, pensando em como ela celebraria essa data tão cara aos dois. Mais um ano de Da. Lucilia ficará para trás. Na estabilidade das boas disposições e equilíbrio dela, sentia ele um sustentáculo àquela determinação de fidelidade ao bem, que tomara desde sua adolescência, no Colégio São Luís. Por seu lado, com o correr do tempo, cada vez mais Dª Lucilia ia assumindo a fisionomia bondosa, doce, afável e sofredora, mas firme, definida e categórica, facilmente discernível em suas derradeiras fotografias.
Cartas afetuosas e muitas flores
Logo na manhã daquele 22 de abril um telegrama chega a seu apartamento:
BARCELONA – 22.04.50 MILHÕES BEIJOS AFETUOSÍSSIMOS
PLINIO
 Dr. João Paulo à mesma hora entregou a segunda carta deixada por Dr. Plinio, acompanhada de um belíssimo bouquet de flores. Dessa forma, ao iniciar seu dia, ela já recebia manifestações de amor e veneração de seu filho, tal como se ele não estivesse ausente. À vista do carinhoso gesto, seu coração se comoveu e não conseguiu conter as lágrimas, só que, desta vez, de puro contentamento, enquanto lia estas expressivas linhas:
13 de Abril 22-IV¹
Meu amorzinho querido.
Quis que, logo ao acordar, minhas felicitações fossem as primeiras, com as de Papai. Mil beijos, mil abraços, carinho sem fim, um oceano de saudades.
Poucas vezes fiz um sacrifício tão grande quanto o de marcar viagem nas vésperas de seu aniversário, que eu gostaria imensamente de passar com a Senhora. Mas, meu bem, foi indispensável organizar as coisas assim. A ida foi antecipada: se-lo-á implicitamente a volta.
Hoje, comungarei pela Senhora, e pensarei na Senhora o dia todo.... o que aliás farei nos outros dias também!
As flores da casa são todas compradas por mim.
Mil felicidades, querida. Que Nossa Senhora dê tudo à Senhora.
Pede sua bênção com um afeto e um respeito sem conta o seu taludíssimo e esporudíssimo ex-Pimbinche
Plinio
Alguns dias depois, ainda a propósito de seu aniversário, Dª Lucilia recebeu mais uma carta de Dr. Plinio, escrita já da Espanha e datada de 21 de abril, na qual ele manifestava o quanto lhe doía não poder estar em São Paulo no dia seguinte.
Recorramos uma vez mais às cartas enviadas por Dr. João Paulo a seu filho, a fim de saber como transcorreu para Dª Lucilia esse dia.
Aqui chegou no dia 22, cedo, teu telegrama de Barcelona. E logo mais, o do Adolpho. Lucilia se comoveu muito, não só com o telegrama, como com a carta que aqui ficou para lhe ser entregue naquele dia: derramou o pote após exclamações de ternura e saudade e mergulhou fundo na reza depois.
Tudo correu bem no aniversário dela: tivemos um bom jantar, florida a mesa com uns magníficos cravos vermelhos; a sala de visitas teve umas lindas flores, compradas com os cem que para isso deixaste...
Tendo sido aquele dia tomado por visitas, às quais, por sua inalterável benevolência, Dª Lucilia ia receber com os já conhecidos requintes de boa-acolhida, só pôde responder a seu filho na manhã seguinte. Fê-lo com palavras repassadas de ardente amor a Deus:
São Paulo, 23-04-50 Filho querido de meu coração!
De todo o coração, de toda a minha alma, agradeço-te a carta tão afetuosa que me deixaste, e que tanto conforto me trouxe, e mais as lindas, “belíssimas mesmo” palmas brancas, rubras, amarelas e lilases, que Zili enviou-me pela manhã. Chorei é verdade, mas, “graças a Deus”, foi de felicidade por ter recebido eu, tão indigna, “liberal”, a imensa dádiva dos Sagrados Corações de Jesus e Maria Santíssima, de um filho tão santo, tão bom e carinhoso, que abençôo de todas as veras de minha alma, por quem peço toda a proteção Divina, e a Luz do Divino Espírito Santo. Destas palmas, levei duas para a capela do “sexto andar”, uma para tua imagem do Imaculado Coração de Maria em teu quarto, onde, como de costume rezei por ti, e duas outras para a imagem do Sagrado Coração de Jesus, no salão (e o resto, muitas, na jarra do imperador).
Preciso dizer-te as saudades e a falta que me fizeste? Pois bem, com menos intensidade, era o que todos sentiam. (...) Fui hoje ouvir missa e comungar por ti na “minha” igreja do Sagrado Coração de Jesus, onde encomendei uma missa por tua intenção, e bom êxito em teus empreendimentos. Estou ansiosa por receber uma carta tua, trazendo-me tuas impressões do lugar. As primeiras, geralmente não são favoráveis; mas depois aos poucos, já ambientado, aprecia-se muito mais. Escreva-me sempre; sim? Vê se encomenda a missa para Nª Srª da Begoña por intenção de Rosée; sim?
Com muitas saudades, “espiritualmente” faço-te uma cruzinha na testa, e... cubro-a de beijos e bênçãos. Um longo e saudoso abraço, Pimbinchen querido, de tua “manguinha” afetuosa,
Lucilia
Algumas impressões de viagem
Finalmente, por volta de 25 de Abril, Dª Lucilia recebeu a primeira carta de seu filho com as tão ansiadas notícias e impressões de viagem.
Estaria ela com certeza curiosa de saber qual a reação de Dr. Plinio na terra de El Cid Campeador. No entanto, sendo o povo espanhol de psicologia tão diferente da brasileira, já previa que seu filho podia sentir não pequena estranheza. Daí precavê-lo, na carta anterior, para não se deixar levar pelas primeiras impressões, as quais “geralmente não são favoráveis”, mas procurasse logo se ambientar e desse modo tirar todo o proveito da viagem.
Devido à formação recebida de Dª Lucilia, desde o início Dr. Plinio apreciou, acima de tudo, a catolicidade militante daquele heróico povo, que empreendera, havia pouco tempo, vitoriosa cruzada contra o comunismo. Era essa virtuosa combatividade a nota mais saliente nos belos monumentos por ele visitados em companhia de cultos e vivazes amigos espanhóis, empenhados no simpático afã de lhe fazer conhecer as principais maravilhas do país.
Madrid, 18-IV-50
Mãezinha querida do meu coração, e querido Papai.
Escrevo-lhes depois de três dias de intensas viagens, isto é, 24 horas de avião, um dia de visitas em Madrid, e um dia de Escorial. Faço-o com enormes saudades. É meia noite, hora de uma ultima conversa com minha gente do 6º andar no Fasano, e poucos minutos antes de minha conversa “tête-à-tête” com a Lú.... Como gostaria de os ter todos comigo aqui!
A viagem aérea foi boa. Cerca de 24hs. tocamos em Recife: aeroporto bem arranjado e calor tremendo. A cidade se percebia bem em todos os seus contornos graças à iluminação: é bem grande. Dormimos passavelmente e no dia seguinte voamos sobre o Saara, que pudemos ver muito bem e por muito tempo. O dia ainda era claro quando sobrevoamos Gibraltar, vendo bem o forte. Chegamos a Madrid entre 21 e 22 horas. (...)
Nosso hotel é razoável. Encontrei logo à chegada o Cel. Barrera (filho do Marquês de Valdegamas e Conde de Miraflores) que estava à minha espera há dois dias. [Estava] com seu cunhado Olague (historiador prodigiosamente culto e inteligente, e que parece muito influente aqui). Visitei o Prado com eles. Os Murillos, Velasquez, Ticianos, Flamengos, Goyas, pululam por lá. A riqueza do Museu é indescritível. Quanto à beleza dos quadros é supérfluo dizer algo. Depois fomos à casa de Lope de Vega onde o Olague nos apresentou à Embaixatriz (notável) da França, em cuja companhia a visitamos.
Hoje pela manhã, Barrera! Depois, Olague, para um passeio ao Escorial. Este – como as outras coisas que tenho visto aqui — não é descritível em palavras. Rezei junto à sepultura de Filipe II, à cama em que expirou, e à sepultura de Dom João d’Áustria, a um enorme autografo de Santa Teresa, e ao tinteiro em que ela escreveu.
Amanhã, se Deus quiser, continuarão as visitas.
E a Lú? Tem dormido bem? Tem dormido à hora? Tem tido energia em matéria de saudades? Tem tomado muita água Prata? Tem tomado muito taxi?
E Papai? Tem tido muito trabalho com o escritório? Tem comido muito coco?
Para os do 6º andar, todos os abraços possíveis. Para Papai, com abraços muito afetuosos, inúmeras saudades. E para a Senhora, minha Mãezinha, o quê? Tudo quanto pode haver neste mundo em matéria de abraços, beijos, carinho, respeito, saudades, afecto; e abençoe o seu filhão.
Plinio
“Quantas saudades, quantas saudades...”
No dia 3 de maio, um dos amigos de Dr. Plinio partia rumo a Paris. Embora levasse uma carta escrita poucos dias antes por Dª Lucilia, as muitas saudades dela fizeram-na escrever outra, de última hora. Por estas linhas, vê-se novamente como o que mais almejava para seu filho era um acréscimo em graça, e com empenho o pedia a Deus.
Não perde a ocasião para dar pequenos conselhos ao seu “taludíssimo ex- Pimbinchen”, e encerra a missiva com mais uma tocante mostra do quanto a virtude da gratidão era sólida em sua alma:
S. Paulo, 3-5-1950.
Meu filho tão querido!
Quantas saudades, quantas saudades.
Permita Deus, que te encontres muito bem de saúde e de espírito, cada vez mais entusiasmado, curioso, e com acréscimo de fé, graças, que, como bom filho, tanto mereces. Dize a teus caros companheiros e amigos, que todos estes votos faço extensivos a eles.
Fui hoje, às oito e meia, ao Sagrado Coração de Jesus, onde comunguei e assisti a uma missa que havia encomendado pela tua felicidade e da de teus empreendimentos.
Penso que, “uma vez, ao menos, para conhecer”, vocês deveriam ir aos teatros da “Opéra”, “Comédie Française”, e ao “Odeon”.
Escreve-me sempre; sim? Recomenda-me ao “grupo”.
Ia me esquecendo de falar-te em José Gustavo. Yayá e Dora fizeram-me ver a falta que faz no salão do “sexto”, um bom retrato (maior) de José Gustavo, com o que concordo plenamente. Lembrem-se e contentem-se com as dádivas em São Sebastião, e o bom aluguel do sexto que o Antoni fez, e quanto lhe seria grato ver lá um bom retrato do filho! Concorde comigo; sim? eu te peço!
Terminando, peço-te também orações em Fátima, Lourdes e Stª. Catharina.
Saudosa, abraço-te e beijo-te muito e muito!
Abençoa-te, tua mãe extremosa,
Lucilia
1) Dr. Plinio colocou as duas datas na carta. A primeira era do dia em que a escreveu.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias.)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

“Filho querido de meu coração...”

 Como vimos em nosso último post, circunstâncias particularmente favoráveis à causa católica fizeram com que Dr. Plinio se decidisse por uma viagem à Europa, em abril de 1950, poucos dias antes do aniversário de sua mãe. A fim de amenizar o golpe que a longa separação infligiria ao extremoso coração materno, idealizou alguns estratagemas para que Da. Lucilia não percebesse de imediato que ele, em breve, estaria do outro lado do imenso oceano...

Não era fácil, porém, iludir tão ardoroso coração, todo feito de carinho materno. Uma secreta desconfiança lhe fazia sentir ser outro o verdadeiro destino de seu filho. E por mais que lhe assegurassem o contrário, ela não se convencia.
Dr. João Paulo, em carta escrita a Dr. Plinio no dia 20, relata o ocorrido em casa após a partida deste:
Lucilia, sempre desconfiada [de estar ocorrendo algo inusitado], instintivamente tornou-se ainda mais apreensiva do que estava (...); no domingo pediu ligação telefônica para o Rio, e não a obtendo, me fez pedi-la para segunda-feira.
No dia 17, segunda-feira, Dr. Plinio desembarcou no aeroporto de Barajas ,em Madri. Uma de suas primeiras providências foi enviar um telegrama à sua tia Zili, irmã de Dª Lucilia, informando-a de que fizera boa viagem. Não o mandou diretamente para sua casa, pois sua mãe, ao vê-lo chegar, logo se daria conta do acontecido, podendo sofrer um certo choque. Por isso, quis que a notícia lhe fosse dada por sua tia, e suavizada com o bálsamo da carta por ele deixada. Assim Dr. João Paulo, após narrar a chegada do telegrama, acrescenta:
[Nestor e] Zili vieram em casa e tudo ficou em pratos limpos. Muito choro, muita reza e tudo ficou regularizado satisfatoriamente, sobretudo após a leitura de uma, a primeira, das cartas a lhe serem entregues. A segunda carta, ela a receberá no dia 22 com as flores que pedirei a Zili que escolha, como você deixou pedido.
“Meu coração procura o de Plinio...”
Uma vez refeita do abalo dos primeiros momentos, Dª Lucilia logo tomou a pluma para escrever a primeira das muitas cartas que as enormes saudades a levariam a enviar ao filho querido. Para nossa alegria, foi providencialmente encontrada quase intacta a correspondência trocada entre ela e Dr. Plinio nesse período, permitindo-nos penetrar com discrição e respeito no suave e acolhedor recinto daquele coração materno.
De forma comovedora e com palavras cheias de unção, conta ela, na primeira missiva, como afinal seus pressentimentos não a haviam enganado.
Filho querido de meu coração!
Acabo de receber tua carta e telegrama. Louvado seja Deus, chegaste são e salvo. Não era em vão que eu dizia a teu pai, “meu coração procura o de Plinio e não o acha no Rio, e sim pelos ares!” Enfim, alegro-me de tudo o que Deus e a Virgem Santíssima fazem por ti, que és o melhor dos filhos, e que abençôo de todo o meu coração, de todas as forças de minh’alma. Muitos abraços, beijos e saudades, de tua velha “manguinha”.
Numa carta por ela escrita pouco mais tarde, sobressai a gratidão para com o filho, pelo fato de lhe ter ocultado o verdadeiro destino da viagem, poupando-lhe, desse modo, inúmeras aflições. Em linhas penetradas de doçura, reflexo de sua nobreza de alma, assim se exprime:
Plinio querido!
Com tanta cousa para escrever-te, e que me saía aos borbotões, ia me escapando de dizer-te, o que me afligiria muito, o quanto apreciei a delicadeza de tua mentira generosa, que não engoli totalmente, pois, desconfiada e aflita, repetia sempre, – qual, vocês não me enganam, meu filho está já em viagem,... meu coração não encontra o seu no Rio, e sim voando, nos ares! – Teu pai, e todos enfim, procuravam iludir-me a ponto de sossegar-me e pôr-me de novo a esperar-te, mas só por umas horas. – Como tudo o que fazes, foi muito bom assim, e tudo bem feito, e reconhecida agradeço-te.
Vê se tens bem cuidado com tua saúde. Nada de imprudências, e, recomendação para todos. Mais muitos beijos, bênçãos e abraços de tua mãe extremosa.
Lucilia.
Quando vão a Fátima? Reze por nós, especialmente por tua afilhada e sobrinha.
Afetuosas e filiais recomendações
Nesse dia, como relatara Dr. João Paulo, Dª Lucilia chorou muito e rezou ainda mais. Embora seu doce consolo fosse sobretudo o Sagrado Coração de Jesus, não pouco a deve ter confortado a leitura e releitura da carta deixada por seu filho:
Manguinha querida do coração,
À hora em que a senhora ler esta carta, já estarei nas Espanhas. Não preciso dizer- lhe com que saudades parti...... bem maiores, desconfio eu, do que aquelas com que a senhora ficou. (...)
Agora, meu amor, algumas recomendações:
1- HORÁRIO: aproveite este tempo para levar uma verdadeira vida de sanatório, almoçando e jantando cedo, DEITANDO-SE CEDO, tomando MUITA água Prata, etc. Será um período de repouso ao cabo do qual encontrarei meu pito de ferro mais forte do que nunca, se Deus quiser;
2- ORAÇÕES: razoáveis, pois que nada do que não é razoável pode agradar a Deus. Assim, conta, peso e medida até no rezar. Nada de orações até horas tantas. Reze muito, mas reze de dia;
3- Não economize automóvel, especialmente quando se tratar de ir ao Coração de Jesus. Vá lá com toda a frequência, e demore-se à vontade.
Creio, Anjo querido, que minha volta será na última semana de Junho, pois tenho conferências e compromissos aqui. Porém não posso dizer em que dia chegarei. Escrever-lhe-ei assiduamente. Não lhe dou endereço, pois não sei a que hotel vou. Nem sei exatamente que número de dias deverei ficar em cada país.
Não preciso dizer-lhe porque fui obrigado a mais este sacrifício: estar fora no dia 22. É a necessidade de voltar a tempo. Não lhe poderei telefonar no dia 22, mas certamente telegrafarei.
Querida do coração, confie muito em Nossa Senhora, que irei venerar nos seus principais Santuários: Fátima, Lourdes, e a Rue du Bac, onde Ela apareceu a Santa Catarina Labouré, sob a invocação de Nossa Senhora das Graças, ensinando a devoção da Medalha Milagrosa.
Juízo, amor. Penso que não é necessário recomendar que se lembre de vez em quando de mim. Com milhões de abraços e beijos, e todo o afeto e respeito deste mundo, pede sua bênção o filho, o taludíssimo e esporudíssimo “pimbinche”.
Plinio
Uma feijoada de 1ª classe para a volta, com pinga, feijão preto e farinha torrada. Veja as cortinas do hall e sala de jantar e as molas de minha cama. Tome muita água Prata e empanturre papai de coco e cocadas.
P.
Crescente benquerença entre mãe e filho
Três dias depois da partida de Dr. Plinio — para Dª Lucilia, três longos dias — sem aguardar mais notícias dele e movida pelas saudades que já lhe faziam sofrer o coração, ela retoma a pena. Ainda uma vez agradece a seu filho todos os cuidados em lhe ocultar a travessia oceânica. De nenhum modo susceptibilizada por isto, nem sequer sentindo-se ferida em seu amor próprio ao saberse vítima de um inocente jogo, Dª Lucilia não cessa de manifestar seu carinho e exclusivo desejo de que ele se beneficiasse da viagem. Além disso, não deixa de se preocupar, de aconselhar e rezar.
São Paulo – 19-4-1950.
Filho querido de meu coração! Com o coração transbordante de saudades, venho dizer-te a enorme falta que me fazes, pois parece-me ver-te entrar a todas as horas, e ver-te em todos os lugares, e o meu espirito voa – sem avião– em busca do teu! Contudo, filho querido, procuro ser calma, e agradecer a Deus e à Virgem Santíssima a graça de poder ver-te realizar este sonho tão necessário e útil à tua vida, e a teus futuros trabalhos, e também a felicidade de poderes ver, talvez ouvir e falar mesmo ao nosso Papa! – E, tudo isso, em companhia de tão bons companheiros!
Agradeço-te imenso, tudo o que, como excelente filho, fizeste para evitar-me a angústia da travessia. Mandei acender uma vela a Nª Srª das Graças, e fiz muitas orações pela tua feliz chegada.
Conta-me tudo o que têm feito e o que de bonito por aí já viram: Granada, Alhambra... o túmulo de Dom Felipe,.... históricos palácios, conventos... e o que mais? – Já comeram muitos figos de capa-rota e cerejas? – Penso ser agora a época. – Quando seguem para Paris para respirarem o já célebre “doux air de France”¹?
Muito cansada e com sono, termino esta, enviando-te todas as minhas bênçãos, e te pedindo para que veles bem pela tua preciosa saúde. Mais uma vez, que Deus te abençoe, te faça muito feliz e envio-te saudosíssima, muitos beijos e abraços.
— De tua mamãe extremosa,
Lucilia
À medida que o tempo avançava, crescia o amor recíproco entre mãe e filho. Erraria quem julgasse ser tal benquerença exclusivamente natural. Dotados ambos pela Providência — cada um a seu modo — de grande senso psicológico, discerniam, um no outro, os respectivos progressos nas vias do bem e, por essa razão, sua benquerença recíproca crescia sempre mais. Tratava-se de um amor sobrenatural em sua essência, como podemos notar nas missivas reproduzidas acima, e ao longo de toda a correspondência trocada entre eles.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)