segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Estado de espírito de Dona Lucilia em relação a Deus


Mas eu tenho visto gente que é protuberantemente o contrário disso, e em quem percebo laivos de atitudes deste gênero: “Eu peço a Deus, mas Ele, lá nas coisas d’Ele, a mim não atende. Atende a todo mundo, mas não a mim. Ele comigo faz o contrário do que eu queria que acontecesse.”
Não era esse, absolutamente, o estado de espírito de Dona Lucilia. Esse estado de espírito de um terceiro em relação a Deus, que cobra, invectiva, alega direitos, não está naquela fotografia, em nada!
Mais ainda: no fundo, essa paz que vemos no Quadrinho, sob o qual se poderia escrever a frase: Ite vita est, é como quem diz: “Eu fiz a vontade d’Ele até o último elemento, bebi todo o cálice de fel, até a última gota. Mas está bebido, e agora chegou minha hora de ajudar os outros.”
Sem dúvida, uma das coisas mais tocantes para mim naquela fotografia, em que mamãe tem cerca de 50 anos, é essa resignação dela no meio da dor. Vê-se que ela não entende e há qualquer coisa de uma pergunta ansiosa: “Como será, por que será?”, mas sem o menor laivo de revolta, de inconformidade, nem nada. É como alguém que adora o mistério do sofrimento que está tendo.
Isso partia de uma ideia altíssima que mamãe tinha de Deus.
Aliás, uma coisa curiosa: ela nos ensinou o Pai-Nosso de um modo um pouquinho diferente da fórmula corrente. Não sei se no tempo dela se tinha introduzido, talvez no hábito brasileiro ou pelo menos de Pirassununga, um acréscimo que era: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Senhor...” Este “Senhor” não está na oração dominical. Durante algum tempo eu rezei o Pai-Nosso assim. Depois, por conformidade com a Igreja, suprimi o “Senhor”. Mas a minha alma se regozijava de poder dizer este “Senhor”. O “Senhor” calha ali com uma precisão, no ritmo da oração, muito bem. Suprimi, porque a Igreja ensina de um modo diferente. Quando mamãe rezava alto, conosco, nas Sextas-feiras Santas, não saía o “Senhor”. Eu acho que ela, em certo momento, se deu conta também e suprimiu.

Mas era a ideia do Dominus cheio de bondade, de misericórdia, de carinho, que estava no espírito dela. Ela tinha muito isso, mas muito!