sábado, 24 de novembro de 2012

Grande dama cristã

Ao lado de suas muitas e edificantes qualidades de alma, reluzia em Dª Lucilia uma firmeza irredutível na defesa dos princípios católicos. Com efeito, se alguém os ferisse de algum modo, ela se colocava numa posição mais ereta, parecendo até aumentar de estatura, e, sem perder a afabilidade, com tom de voz sempre calmo, logo atalhava:
— Não!... Isso não pode ser assim... — e punha os pingos nos “is”. Dr. João Paulo, pernambucano dos mais genuínos, tinha um temperamento muito ameno. No dizer de Dr. Plinio, era o homem mais pacífico que conhecera. Seus longos anos de vida conjugal com Dª Lucilia transcorreram na mais perfeita harmonia. Quando presenciava uma atitude mais enérgica dela, dizia ao filho, a meia voz  numa jocosa alusão a certo sangue herdado por ela de remotos antepassados:
— Ih!... Esta senhora espanhola!...
No trato com a esposa, Dr. João Paulo era sempre muito atencioso. Tinha uma voz sonora, de timbre agradável, e seu riso saudável era ouvido à distância. O ambiente afrancesado à paulista que Dª Lucilia criava em torno de si, formava um conjunto harmônico com a nota pernambucana e portuguesa, contributo de seu esposo.
 O vaso de cristal
Evidentemente, nos momentos de aflição de Dr. João Paulo, a bondade sem par de Dª Lucilia se voltava de modo especial para ele, com o desvelo de quem sabia penetrar no mais interno do sofrimento de uma pessoa e ali colocar uma gota de suavizante bálsamo.
Uma tarde, ao voltar do trabalho, Dr. Plinio encontrou seu pai sozinho no salão, com ar muito triste. Cumprimentou-o como sempre:
— Boa tarde, papai, como vai o senhor?
— Bem, obrigado — respondeu Dr. João Paulo melancolicamente. Seu filho, sem poder atinar com a razão de tal atitude, dirigiu-se ao quarto de Dª Lucilia, onde a encontrou recostada e rezando.
Ao vê-lo entrar, ela lhe fez um sinal com o dedo para falar baixo e pediu que se sentasse perto dela. Em seguida lhe disse num tom compassivo: — Filhão... Você viu como o pobre de seu pai está aborrecido? Esbarrou, sem querer, no seu magnífico vaso de cristal da Boêmia1, que caiu no chão e se despedaçou.
— Meu bem, papai quebrou o vaso de cristal?! — perguntou Dr. Plinio entre surpreso e penalizado, pois apreciava muito aquele objeto.
— Sim, mas ele está sofrendo muito... Bastaria uma palavrinha sua para fazer cessar a aflição dele. Você faria isso por sua mãe?
Dr. Plinio, em qualquer circunstância, perdoaria de bom grado a seu pai, e um mero vaso de cristal, por melhor que fosse, era muito pouco para ser causa de tanto pesar. Diante da afetuosa súplica de Dª Lucilia, dirigiu-se imediatamente ao lugar onde estava Dr. João Paulo a fim de tranqüilizá-lo e, sorrindo, disse-lhe que não se preocupasse, pois o acidente, aliás todo involuntário, não tinha importância. Suas palavras distenderam de imediato seu abatido pai, que recuperou o habitual bom humor.
Manifestações de afeto de Dª Lucilia, como esta, excediam de muito os limites do lar. Se até em relação a desconhecidos sua compaixão se fazia sentir tão viva quanto mais com os seus familiares, próximos ou até longínquos.
Visita inesperada
Certo dia estava Dª Lucilia à mesa, em meio a uma refeição, quando uma parente distante, a quem as provações da vida haviam desalentado a fundo, tocou a campainha do apartamento.
A empregada, tendo atendido à porta, veio pouco depois anunciar que estava ali Dª Fulana, querendo falar com Dª Lucilia. Esta, conhecendo as tribulações pelas quais passava aquela pessoa, interrompeu o almoço e foi solícita até o hall de entrada, acolhendo-a com grande afabilidade.
— Oh! Fulana, como vai? Entre por favor... Convidou-a a passar para a sala de jantar, ofereceu-lhe um lugar à mesa e colocou-a inteiramente à vontade. Era tal a confiança inspirada por Dª Lucilia que daí a pouco a visitante se animava a expor suas dificuldades e dores. Recebeu dela — como esperava — todo o consolo e estímulo para prosseguir, confiante na Providência Divina, pelas ásperas sendas da vida.
Mais uma vez, um conselho saído dos lábios de quem seguia a lei de misericórdia do Divino Mestre, constituiu poderoso auxílio a uma pessoa atribulada pelos reveses da vida. Este modo de proceder, no conjunto das virtudes de Dª Lucilia, era mais um ponto de resistência em relação aos desvios morais de seu tempo. Pois o mito do sucesso levava muitos de seus contemporâneos a afastar-se com menosprezo de quem era atingido pelo infortúnio, como se este fosse uma lepra cuja mera proximidade pudesse contagiar...
Amor alicerçado na Fé
De tudo quanto até aqui foi narrado, facilmente se deduz que o oceano de benquerença de Dª Lucilia por seu catolicíssimo filho tinha suas mais profundas raízes firmadas na Fé.
Era por ver em sua mãe um amor tão desinteressado e sublime à Igreja Católica que, instantes após a morte dela, Dr. Plinio, na câmara mortuária, fez esta impressionante afirmação:
“Eu a admirava muito mais por ela ser como era e pela virtude que nela discernia, do que por ser minha mãe. De tal modo que, se ela fosse mãe de outrem, e não minha, eu faria de tudo para ir morar junto a ela.”
Tais disposições de alma de Dr. Plinio, para as quais tanto contribuiu a formação dada por sua mãe, levaram-no, na longínqua década de 40, a fazer no Legionário a magnífica descrição de uma mãe católica. A cada passo desse artigo julgamos ver a figura nobre e serena de Dª Lucilia. Curiosamente, nessas comoventes linhas, nas quais transparece a admiração por insignes virtudes, refere-se Dr. Plinio à mãe de um outro...
A dama de cabeleira branca
Eu tinha diante de mim uma figura genuína de grande dama cristã. Em todo o seu ser, o tempo deixara a marca indefinível de fundas dores, sofridas com grande nobreza, com imensa suavidade de alma. Olhos calmos, belos e tristonhos, penetrantes mas doces, inteligentes mas serenos. O porte, o jeito, o traje tinha a elegância singela, nobre e despreocupada que a verdadeira educação comunica ao vestuário humano. O timbre de voz afável, reservado, cheio de matizes, revelava um coração a um tempo forte e delicado.
Pela janela entrava a jorros a claridade, que iluminava em certos momentos a cabeleira branca.
Um reflexo prateado, confundindo-se com a suavidade do olhar, se difundia então por sua fisionomia. Toda a luz faz pensar em felicidade. A luz destes cabelos brancos fazia pensar na felicidade extra-terrena. Era a grandeza da ancianidade cristã, santificada pelo mérito da maternidade, glorificada pela auréola discreta que os sofrimentos padecidos em união com Cristo deixam em toda alma e em todo semblante justo. Muita dignidade, certa majestade diríamos mesmo. Não a majestade árdua, esforçada e duvidosa do dinheiro, mas a majestade única e suprema que decorre da dignidade de mãe, sentida e vivida até as últimas fibras de um coração nascido de nobre estirpe.
Preciso dizer que a contemplação do que essa dama sofria, de quanto ela sofria, de como ela sofria, edificou-me, enlevou-me, encheu-me de veneração? Nunca vi mãe que oferecesse seu filho [a Deus] com espírito mais sobrenatural, embora com tão sentida dor. Fora, a grande metrópole vivia, suava e muitos pecavam. De mim para mim, pensei no valor expiatório deste sereno sacrifício. Os instantes que passei naquele apartamento foram inesquecíveis para mim.
Quantas vezes pensei depois disto, nesta genuína e grande dama cristã. E que especial inflexão de alegria teve o meu “Magnificat”, quando me lembrei do júbilo que naquele momento lhe deveria inundar o coração.
Perdoe-me ela se levantei indiscretamente o véu de seu recolhimento2.
De uma mesma ogiva, dois arcos que se completam
Tal como a dama cristã descrita por Dr. Plinio, Dª Lucilia, antes mesmo de seus filhos nascerem, generosamente os consagrara a Deus. Talvez tenha renovado seu oferecimento ao apresentá-los à fonte batismal, a fim de introduzi-los no seio da Igreja. Depois os levara a dar os primeiros passos nos caminhos da Fé e lhes ensinara a pronunciar, antes de qualquer outra palavra, os Santíssimos Nomes de Jesus e Maria. Com seu exemplo, incentivara-os a praticar as virtudes que ela mesma lhes fizera conhecer através de narrações da História Sagrada.
Tendo Dr. Plinio, ao entrar para o Colégio São Luís, de enfrentar pela primeira vez o rijo embate da vida, Dª Lucilia o sustentara na fidelidade. A firmeza dela lhe servira de estandarte no decurso de incontáveis pugnas na Faculdade de Direito.
Já no Movimento Católico, Dr. Plinio fora penetrando ainda mais a fundo no conhecimento da doutrina e da História da Igreja. Chegara então para ele a vez de tomar respeitosamente pela mão a sua mãe e comunicar-lhe muito do que ele ia aprendendo de maravilhoso na Santa Igreja. Assim, um e outro, cada qual a seu turno, foram-se impregnando a fundo do espírito católico.
Essa catolicidade se refletia naturalmente na vida de oração de ambos, marcando de forma notável aquele recolhido e elevado ambiente do apartamento da Rua Alagoas. As preces do indômito batalhador, principal arma de todas as pugnas que travava, apoiadas pelas serenas mas intensas súplicas de sua mãe, subiam ao trono do Altíssimo a implorar graças especiais pela causa da Santa Igreja.
Nesses atos de piedade, enquanto Dª Lucilia se inclinava mais aos acordes da misericórdia, Dr. Plinio fixava suas intenções nas lides apostólicas. Esse convívio, ungido pelo silencioso fervor da mãe e do filho, constituía assim uma harmoniosa ogiva, em que um braço completava e apoiava o outro.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
1) Uma fina peça, presente de Dr. Plinio a sua avó, Dª Gabriela.
2) Legionário, nº 745, 17/XI/1946.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

“Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem”

Ao júbilo de Dona Lucilia pelo feliz regresso de Dr. Plinio da sua viagem à Europa no ano de 1950, somou-se, no início do mês de julho, como previsto, a alegria do casamento de sua neta Maria Alice, cujas festividades ficaram naturalmente a cargo de Dona Rosée. Ela tudo dispôs com seu requintado bom gosto.
Terminadas as comemorações nupciais e tendo partido os noivos para a lua-de-mel, Dona Lucilia, dada sua idade avançada, sentiu necessidade de algum repouso. Agora, ao menos, ela poderia reconfortar-se com a presença de seu filho, que tanto tinha para lhe contar de quanto vira na velha Europa: as maravilhas da França, os esplendores de Roma, as glórias da Espanha, os encantos de Portugal.
Nova separação
Porém, a companhia dele não duraria muito tempo. Passados dois meses, um amigo de outro estado do Brasil propôs-lhe realizar ali um trabalho que, segundo julgava, poderia beneficiar a Causa Católica.
Dr. Plinio, apesar de ver poucas possibilidades de êxito no empreendimento, aceitou a proposta por amizade à pessoa que o convidava. Essas novas atividades exigiam dele a permanência por algum tempo no próprio local, e assim, em setembro, para lá partiu.
Levantava-se para Dona Lucilia um novo dilema: por um lado desejava que seu filho obtivesse bom resultado, e nessa intenção rezava com ardor, mas, por outro, um eventual sucesso dele implicaria uma inevitável e mais prolongada separação.
Apesar de tudo, estava disposta a qualquer sacrifício em favor das exigências do apostolado. Numa carta enviada a Dr. Plinio, destacam-se palavras de conselho, perfumadas de sabedoria, nas quais o sentimento cede lugar à razão:
São Paulo, 28-IX-950
Filho querido!
Fui hoje à igreja de Stº Antonio, onde comunguei e rezei muito por ti para que sejas muito feliz (...), e possas estar logo de volta.
Como a nossa casa fica insonsa e feia sem você! Mas tambem, quando você vem, entra a primavera!
Rosée tem vindo com frequencia, e hontem, em “vol d’oiseau”, esteve Maria Alice.
Penso que você e [seu amigo] devem estar bem cansados com este trabalho (...), e por isso, é conveniente que [ele] venha com você para descansar um pouco.
O comício do Brigadeiro foi muito concorrido, e houve grande enthusiasmo, e muita linha.
Guardei o seu discurso, para você ler, caso não o tenha podido fazer. Fala com muita sobriedade, com nobreza, pois não ataca pessoa alguma, mesmo os seus adversarios. Estou bem impressionada, e com desejo de que ele seja eleito.
Pretendo, terminando esta, ir a um cinema, para contar depois a história para o meu queridão.
Por maiores que sejam as minhas saudades, aconselho-te a que não voltes antes de saber o resultado [do trabalho] ahi, pois de outro modo, pode parecer pouco caso. Quando se faz qualquer cousa, faz-se bem feito, e até o fim. Paciencia, paciencia querido!
Recomenda-me afectuosamente a [teu amigo].
Bem, querido, por hoje chega de prosa.
Com minhas bençans, envio-te muitos beijos e abraços.
De tua mãe extremósa,
Lucilia
P.S. Zili acaba de dizer-me pelo telephone, que D. Didita perdeu a mãe hoje á tarde, e que iria passar lá a noite, e que o enterro será amanhã ás nove horas. Pretendo ir lá amanhã, ás oito horas. Aviso-te, para que lhe mandes um telegramma.
Conforme Dr. Plinio receava, o campo não fora bem preparado de modo a alcançar êxito, e por isso resolveu, para gáudio de Dona Lucilia, retornar logo a São Paulo.

Viver, é estar juntos... Concepção ¨luciliana¨ da vida


Ainda antes de ele dar a conhecer a sua mãe o desfecho de seu empreendimento, esteve em sua casa o amigo que o convidara. Este, conversando com Dona Lucilia, disse-lhe gracejando ter tudo corrido bem. Julgava, com isso, causar-lhe grande satisfação. O visitante obteve como resposta apenas uma reserva polida, sem entusiasmo.
Dr. Plinio notou a reação de Dona Lucilia e, estando com ela a sós, durante uma prosinha, filialmente perguntou:
– Mãezinha, a senhora acreditou quando ele contou aquilo?
Ela respondeu:
– Sim.
– Surpreende-me que a senhora não tenha manifestado a menor alegria...
Ela então disse:
– Bem, você compreende que se tivesse obtido bom resultado em seus trabalhos, isso o obrigaria a se mudar para longe de casa e vir pouco aqui. E o convívio entre nós diminuiria muito! Para mim isso seria um grande sofrimento. Meu filho, viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem...
“Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem...” A bela e luminosa frase superiormente exprime o que poderíamos chamar de concepção “luciliana” da vida!
O filme da coroação da Rainha Elisabeth II
Num domingo de março de 1952, uma das irmãs de Dona Lucilia e seu esposo foram jantar em casa dela. Terminada a refeição, Dr. Plinio convidou todos os presentes a irem com ele assistir ao filme da coroação da Rainha Elizabeth II, que estava sendo exibido num cinema da Praça da República, naquele tempo de ambiente ainda familiar.
Dona Lucilia ficou em especial agradada com o convite, não só por ser Dr. Plinio que lho fazia, mas também por ter ocasião de apreciar mais uma vez os costumes, modos de ser e de trajar ingleses.
Ao longo da projeção ela acompanhou atenta e maravilhada todas aquelas cenas ricas em simbolismo e bom gosto.
Terminado o filme, imagens deslumbrantes ficaram povoando a cabeça de todos durante algum tempo, a ponto de, ao sair do cinema, caminharem em silêncio, sem fazer nenhuma apreciação. No fundo, tudo aquilo clamava contra a vulgaridade da vida moderna, sem brilho nem glória.
Dona Lucilia, com a alma posta naqueles esplendores, teria em breve o que ela reputava o melhor do filme: a rememoração e os comentários feitos por seu filho, quando à noite se sentassem para a costumeira “prosinha”.
Essencialmente contemplativa, recordaria ela com saudades cheias de enlevo, até o fim de seus dias, aquela cerimônia de coroação que o desvelo de seu filho lhe havia proporcionado ver.
“Minha casa eram os olhos dela”
Além da esmerada prática diária dos atos de piedade, Dona Lucilia — empenhada em enriquecer ainda mais sua vida interior — entretinha-se na elevada consideração dos esplendores da Civilização Cristã. Seu espírito contemplativo era muito favorecido pelo amor à estabilidade, que agora as próprias circunstâncias de uma avançada idade tornavam propícia.
Uma das principais alegrias do dia-a-dia, consistia para ela na admiração das maravilhas criadas por Deus, de modo especial a diversidade e o valor cultural — muito mais do que o material — das almas e dos povos.
Dr. Plinio, que dela aprendera o gosto pela estabilidade, via-se na contingência de viajar muito, contudo, mantinha em São Paulo um ponto especial de referência: o olhar de sua bondosa mãe.
Nada o atraía mais. Por isso, ao retornar da rua, sua primeira preocupação era vê-la e sentir seu afeto, o que o levaria a afirmar em certa ocasião: “Minha casa eram os olhos dela, ali eu morava.”
“Minha mãe é muito melhor que a sua!”
Dr. Plinio não perdia ocasião para retribuir o afeto de sua mãe. Isto compensava, de alguma forma, as ausências impostas por suas obrigações, e sobretudo a aliviava do isolamento.
Muitas vezes externava este reconhecimento por amenos gracejos; o invólucro de um dito espirituoso dava maior alcance aos seus filiais sentimentos. Certa vez, estando Dona Lucilia ao lado do “filhão” em agradável conversa, ele lhe perguntou, referindo-se a um quadro de Dona Gabriela:
— Mamãe, quem é aquela senhora que está naquele quadro?
Dona Lucilia, estranhando a pergunta, respondeu num tom de voz que denotava ligeira surpresa:
— Meu filho... aquela é mamãe...
— Pois, olhe, minha mãe é muito melhor que a sua!
Dona Lucilia, um pouco desconcertada diante de um elogio que a colocava acima de sua própria mãe, a quem muito admirava, não tendo o que responder, tocando com a ponta dos dedos suavemente na mão de Dr. Plinio, como era seu hábito, apenas lhe disse:
— Ora!... meu filho, meu filho...
Quando muito elogiada por ele, Dona Lucilia alegava serem exagerados seus ditos, por não merecer tanto. Ele brincava então, e lhe chamava “Madame Merece Mais”, não permitindo que ela vencesse a carinhosa disputa. Dava-lhe a entender desse modo o quanto seus louvores ficavam sempre aquém da realidade.
“Não te derretas...”
Um dia ele lhe perguntou com uma pontinha de afetuosa ironia: “Mamãe, eu sou o filho que a senhora esperava?” Sem aguardar resposta, continuou: “De fato, a senhora gostaria que eu fosse um advogado brilhante, com barba longa...” Era o tipo humano do homem bem apessoado do tempo do pai dela, Dr. Antônio. “Pois bem — concluiu ele — a senhora acabou tendo um filho polemista!”
 Na intimidade, Dr. Plinio não poupava elogios nem manifestações de carinho a sua mãe, deixando-a por vezes enternecida. Era nessas ocasiões que, imitando sotaque português, Dr. João Paulo dizia a ela, gracejando:
— Não te derretas!...
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”de João S. Clá Dias)